quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Jornada ao Monte Fuji

Tendo a opção de escolha, eu sempre acho mais divertida uma viagem sem guia do que uma viagem com guia. Você acaba aproveitando muito mais o passeio fazendo seu próprio trajeto, ao invés de seguir o caminho padronizado que os guias indicam. Na verdade, eu nem gosto de planejar demais um passeio. Às vezes os melhores lugares para visitar não estão nos mapas, e você só aprende conversando com os nativos do local.

Por outro lado, o meu estilo de planejamento mínimo às vezes dá errado. Na hora foi meio tenso, mas em retrospecto a história é engraçada :)

Kyoto - Hiroshima - Monte Fuji

A nossa viagem de Kyoto a Hiroshima foi super tranqüila. Fomos de trem-bala, fazendo 300km em menos de duas horas (o caminho azul no mapa). O ponto seguinte da viagem era o Monte Fuji, distante 600km (caminho vermelho). Fazendo a conta rápida, estimei que iria demorar umas 4h, então era só pegar o trem-bala às 18h, descer no Monte Fuji às 22h, e descansar o resto da noite no hotel.

Pois bem, eu cheguei às 18h no balcão de informações para perguntar qual trem-bala eu deveria pegar. Em japonês, é claro. Nem no balcão de informações eles falam inglês por lá. Quando eu falei qual era o destino, o atendente me olhou com uma cara confusa, pegou um livrão enorme para procurar o trajeto, e depois de vários minutos me falou o imprevisto número 1: "Olha, não tem trem-bala até o Monte Fuji não, você tem que passar reto até Tokyo, e de lá voltar um pouco de trem normal".

Hiroshima - Tokyo - Monte Fuji

Oops! Refazendo as contas. Até Tokyo são 5h de trem-bala. Assumindo que o trem normal tem metade da velocidade do trem-bala, então pra voltar o trechinho que iríamos passar reto são 2h. Saindo de Hiroshima às 18h, eu estaria chegando no Monte Fuji às 18h+5h+2h = uma da manhã. Mas os trens no Japão param de circular à meia-noite, então estávamos correndo o sério risco de parar no meio do caminho em alguma cidade desconhecida!

Hora de correr então! Para comprar o ingresso do trem-bala eu precisava antes tirar dinheiro numa ATM, mas não contava com o imprevisto número 2: as máquinas das estação só aceitavam cartões japoneses! A única ATM que aceitava Visa ficava na agência do correio a dois quarteirões dali. Então lá vai Ricbit até os correios, debaixo de chuva, enquanto a Ila tomava conta das malas lá na estação.

Com o dinheiro em mãos, percebi o imprevisto número 3: se a viagem iria tomar a noite toda, então não teríamos tempo de jantar! A solução foi comprar uma lanche rápido no McDonalds, assim poderíamos ir comendo no caminho.

Pelo menos os sanduíches são iguais aos nossos

Mas foi só depois que nós embarcamos no trem-bala que eu notei o imprevisto número 4. Existem três tipos de vagão no trem-bala: o vagão verde, que é luxuoso e bem caro, o vagão normal, com cadeiras reservadas, e o vagão comum, mais barato, onde você senta onde tiver espaço. Como eu sou mão-de-vaca econômico, comprei o mais barato... e só lá dentro eu percebi que no mais barato não tinha lugar para colocar as malas!

A essa altura o trem já estava em movimento, e enquanto a Ila segurava as malas no corredor, eu tentei achar algum funcionário para ver se tinha como fazer upgrade do bilhete. Acabei achando um bilheteiro, e expliquei a situação pra ele, em japonês (naturalmente, ele não falava inglês). No fim ele ligou para a central e conseguiu fazer o upgrade pra gente. Mas eu posso jurar que no meio da ligação ele usou a expressão gaijin baka.

Depois das 5h previstas, acabamos chegando em Tokyo. Agora era só uma questão de achar o trem que voltava para o Monte Fuji. Mas aí surgiu o imprevisto número 5: quando você está na pressa, pode não ser muito fácil tentar entender o mapa do metrô de Tokyo:

Clique pra ampliar e sentir o drama

Já passava das 22h, nosso medo era passar da meia-noite e os trens pararem. Mas depois de sofrer um pouco pra entender o mapa, consegui bolar um plano. Descobri que tinha um trem expresso que não parava em todas as estações, então poderíamos ganhar algum tempo pegando esse trem.

Estávamos até aliviados, mas aí surgiu o imprevisto número 6: o trem expresso parou na estação Takao, e o maquinista informou que o expresso ia só até ali, quem quisesse continuar tinha que descer e pegar outro trem! O jeito foi descer e esperar o trem normal passar, lembrando que a temperatura estava próxima de zero e batia um vento gelado de doer os ossos!

Acabamos entrando no último trem que saía da estação, torcendo muito para que desse pra chegar no destino antes da meia-noite. Já estava tudo meio deserto, dentro do vagão tinha só a gente e uns poucos tiozinhos que voltavam do trabalho:

Pelo menos ele dormia sem medo de roubarem a pasta dele

Mas esse trem era o pinga-pinga, parava em todas as estações. Como ele perdia muito tempo com as paradas, acabou acontecendo o imprevisto número 7: deu meia-noite, o trem parou e todo mundo teve que descer (eles realmente levam a sério os horários por lá).

Reality check: estávamos sozinhos numa cidade desconhecida, morrendo de frio, e apenas com um BigMac na barriga. A solução foi apelar: já que não tinha mais trem, então faríamos o resto do trajeto de táxi!

Felizmente tinha um ponto de táxi perto da estação, e eu perguntei quanto custaria para ele levar a gente até nosso hotel no Monte Fuji. A resposta foi o imprevisto número 8: ele disse que custava mais ou menos "shiman yen", ou seja, 40000 yen, que é algo próximo de mil reais! Melhor doer no bolso que dormir na rua né? Então lá vamos nós viajar de táxi pelas estradas do interior do Japão.

Trem expresso (azul), Pinga-pinga (vermelho), Táxi (roxo)

Quando finalmente chegamos no hotel, um alívio: eu tinha entendido errado o taxista, ele não tinha dito "shiman yen", mas sim "ichiman yen" (10000 yen, ou seja, 250 reais). Ainda era caro, mas pelo menos não foi o absurdo que eu achei que seria. Até fazer o check-in, acabou que nós só deitamos na cama por volta das duas da manhã.

Moral da história: viajar sem guia sempre é sempre mais emocionante. :)